Thanksgiving e Judaísmo
©Jane Bichmacher de Glasman*
Na próxima quinta-feira, (última do mês de novembro), será comemorado o feriado de Thanksgiving nos Estados Unidos.
O Dia de Ação de Graças pode ser comemorado por todo mundo, não está ligado a uma religião específica e as pessoas podem celebrá-lo como quiserem. As tradições essenciais são fazer uma refeição com amigos ou com a família e agradecer pelo que se tem.
Festas da Colheita e Ação de Graças são herança de um tempo em que a agricultura era a forma primária de subsistência, determinadas pelo calendário lunar/solar e pelas estações do ano; assim, sempre existiram e são comemoradas em diversos lugares no mundo.
Este ritual já era praticado desde o Antigo Egito, logo após o período das cheias do Nilo (que ocorriam entre junho e setembro), quando as colheitas estavam em andamento. Nestas celebrações, doze sacerdotes , juntos do Sumo Sacerdote, reuniam-se para agradecer aos deuses pelas graças alcançadas. Renenutet era deusa da colheita e como parte da cerimônia de seu festival, os primeiros frutos colhidos eram ofertados à deusa e às almas dos mortos. Jarros com água fresca e pilhas dos melhores grãos eram postos no solo em oferenda para que protegesse os campos da seca, pragas e ladrões.
Os chineses faziam uma festa de colheita chamada Chung Ch'ui na segunda lua cheia do outono asiático. As famílias se reuniam para um banquete, que incluía "bolos de lua", de trigo e cenouras, amarelos e redondos como os luares, esculpindo na massa, antes de assá-la, a figura de um coelho, atribuída à fertilidade.
Todo outono, os gregos faziam uma celebração de três dias para reverenciar Deméter, a deusa do trigo e dos cereais. Os romanos faziam uma festa parecida para Ceres, deusa do trigo (de onde deriva a palavra cereal). A celebração dos romanos tinha música, desfiles, jogos, esportes e um banquete de Ação de Graças - muito parecida com o Thanksgiving atual.
Nas Ilhas Britânicas, o pão feito dos primeiros grãos de cereais colhidos era trazido à Igreja no primeiro dia de agosto e consagrados na Eucaristia. Este dia, chamado Lammas Day, tinha a sua origem numa antiga festa pagã: Lughnasadh, uma festa agrícola dos celtas, da colheita, em honra ao deus do Sol, Lugh . Já Lammas significa “Missa do Pão” (Loaf Mass), que representa o alimento (pão ou outra massa) feito com os grãos, que representam a colheita, e repartido (como alimento sagrado) entre os sacerdotes ou família ou mesmo entre amigos. O Lammas Day foi uma festa de colheita precursora do Dia de Ação de Graças.
O feriado também honra a história norte-americana, é claro. Em peças escolares, crianças norte-americanas recontam a história do primeiro Dia de Ação de Graças, quando os peregrinos e os nativos norte-americanos celebraram a colheita em cooperação e aceitação.
O Thanksgiving americano data de 1621. Após a primeira colheita feita pelos colonos de Plymouth, o Governador proclamou um dia de ações da graças e oração, compartilhado pelos nativos. Em 1863, Presidente Lincoln proclamou Thanksgiving dia de feriado nacional.
Na cultura judaica, duas festas da colheita - Shavuot (Pentecostes) e Sucot (Tabernáculos) - vêm sendo celebradas há três mil anos.
A festa da colheita por excelência é Sucot ou Hag há-Assif (Festa da Colheita), que envolve a construção de cabanas, onde por uma semana as famílias fazem suas refeições.
Muitos americanos, ao ver uma sucá decorada pela primeira vez, ficaram impressionados como ela (e a festa, em geral) lembra Thanksgiving, Ação de Graças. Não é mera coincidência: os peregrinos que originaram o Thanksgiving tomaram emprestada a idéia de Sucot!
Os peregrinos eram profundamente religiosos e enraizados na tradição hebraica . Quando vieram para a América compararam sua jornada com o êxodo dos judeus do Egito rumo à “Terra Prometida”. A maioria deles tinha nomes hebraicos e consideravam-se os herdeiros espirituais do Antigo Testamento . Houve até uma proposta para que hebraico fosse a língua oficial das Colônias e John Cotton quis adotar o Código Mosaico como a base para as leis de Massachusetts. A maior parte da primeira legislação das colônias da Nova Inglaterra foi determinada pelas Escrituras, pelo texto bíblico.
Ao tentarem encontrar um meio de exprimir a sua gratidão pela sobrevivência e pela colheita, procuraram na Bíblia um modo apropriado de celebrar e encontraram Sucot . Isto pode não ser a história ensinada em escolas americanas hoje , mas é a explicação mais adequada: a Ação de Graças original foi um festival de colheita como Sucot, foi observado em outubro (como Sucot geralmente é) e os peregrinos não teriam celebrado um feriado que não estivesse na Bíblia.
A outra festa judaica relacionada à colheita é Shavuot também chamada de Hag há-katzir (Festa da Sega) por ser época de colheita de grãos, trigo e cevada (Ex 23.16) e de Hag há-bikurim (Festa das Primícias) por envolver a entrega de uma oferta, a Deus, dos primeiros frutos da terra colhidos naquela sega (Nm 28.26).
A oferta de bikurim, em Shavuot, era uma porção dos primeiros grãos colhidos; em Sucot, o povo oferecia os primeiros frutos da colheita de frutas , como uva, tâmara e figo.
No judaísmo a mitzvá (preceito religioso) de bikurim (Dt 26:1-12) é especificamente dedicada a expressar gratidão. Na época do Templo, cada agricultor tinha que trazer ao Templo em Jerusalém seus primeiros frutos. Lá ele recitaria uma passagem agradecendo a Deus pela Terra e sua colheita abundante, e os frutos eram dados ao Cohanim (sacerdotes).
O Midrash enaltece esta mitzvá chegando a dizer que a Terra de Israel foi dada aos judeus como uma recompensa pela mitzvá de bikurim que eles observariam depois de entrar a Terra!
Enquanto a importância de expressar gratidão é compreensível per se, a de bikurim é difícil. O dia judaico já não está apinhado de agradecimentos? As primeiras palavras que proferimos ao despertar de manhã expressam nosso agradecimento a Deus por retornar nossas almas aos nossos corpos. Três vezes por dia, durante a reza, agradecemos por tudo imaginável. Antes e depois de comer agradecemos a Deus pela comida. Há até mesmo uma benção recitada ao sair do banheiro, agradecendo a Deus pela função física normal!
Com tanto agradecimento diário, para que uma mitzvá específica? E por que a recompensa tão grande? Uma diferença entre bikurim e todas as outras maneiras de expressar gratidão a Deus, é que bikurim envolve mais que palavras - exige compromisso e deve se expressar em atos. Bikurim implica que nossa gratidão a Deus não pode permanecer no reino de emoções, pensamentos, nem mesmo fala, mas deve mover-nos à ação.
Apesar da mitzvá de bikurim não ser hoje exequível , sua lição é eterna. A gratidão deve se expressar nas ações de nossa vida diária e, entregar o "primeiro fruto", a parte mais seleta da colheita, é a maneira apropriada agradecer a Deus por nos dar todos os nossos frutos.
*Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica, Professora Adjunta, fundou e coordenou o Setor de Hebraico da UERJ e da UFRJ, o Programa de Estudos Judaicos da UERJ, escritora.
Publicado em Revistashalom Brasil Shalom Ed.697 v. 13 pag. 16 , novembro de 2011, ISSN 1806-0056
Caso queira publicar, o todo ou parte, ou se tiver dúvidas, quiser maiores esclarecimentos, identificar fontes ou legendas de imagens, por favor, escreva-me! janeglasman@gmail.com ou janebg@hotmail.com
Na próxima quinta-feira, (última do mês de novembro), será comemorado o feriado de Thanksgiving nos Estados Unidos.
O Dia de Ação de Graças pode ser comemorado por todo mundo, não está ligado a uma religião específica e as pessoas podem celebrá-lo como quiserem. As tradições essenciais são fazer uma refeição com amigos ou com a família e agradecer pelo que se tem.
Festas da Colheita e Ação de Graças são herança de um tempo em que a agricultura era a forma primária de subsistência, determinadas pelo calendário lunar/solar e pelas estações do ano; assim, sempre existiram e são comemoradas em diversos lugares no mundo.
Este ritual já era praticado desde o Antigo Egito, logo após o período das cheias do Nilo (que ocorriam entre junho e setembro), quando as colheitas estavam em andamento. Nestas celebrações, doze sacerdotes , juntos do Sumo Sacerdote, reuniam-se para agradecer aos deuses pelas graças alcançadas. Renenutet era deusa da colheita e como parte da cerimônia de seu festival, os primeiros frutos colhidos eram ofertados à deusa e às almas dos mortos. Jarros com água fresca e pilhas dos melhores grãos eram postos no solo em oferenda para que protegesse os campos da seca, pragas e ladrões.
Os chineses faziam uma festa de colheita chamada Chung Ch'ui na segunda lua cheia do outono asiático. As famílias se reuniam para um banquete, que incluía "bolos de lua", de trigo e cenouras, amarelos e redondos como os luares, esculpindo na massa, antes de assá-la, a figura de um coelho, atribuída à fertilidade.
Todo outono, os gregos faziam uma celebração de três dias para reverenciar Deméter, a deusa do trigo e dos cereais. Os romanos faziam uma festa parecida para Ceres, deusa do trigo (de onde deriva a palavra cereal). A celebração dos romanos tinha música, desfiles, jogos, esportes e um banquete de Ação de Graças - muito parecida com o Thanksgiving atual.
Nas Ilhas Britânicas, o pão feito dos primeiros grãos de cereais colhidos era trazido à Igreja no primeiro dia de agosto e consagrados na Eucaristia. Este dia, chamado Lammas Day, tinha a sua origem numa antiga festa pagã: Lughnasadh, uma festa agrícola dos celtas, da colheita, em honra ao deus do Sol, Lugh . Já Lammas significa “Missa do Pão” (Loaf Mass), que representa o alimento (pão ou outra massa) feito com os grãos, que representam a colheita, e repartido (como alimento sagrado) entre os sacerdotes ou família ou mesmo entre amigos. O Lammas Day foi uma festa de colheita precursora do Dia de Ação de Graças.
O feriado também honra a história norte-americana, é claro. Em peças escolares, crianças norte-americanas recontam a história do primeiro Dia de Ação de Graças, quando os peregrinos e os nativos norte-americanos celebraram a colheita em cooperação e aceitação.
O Thanksgiving americano data de 1621. Após a primeira colheita feita pelos colonos de Plymouth, o Governador proclamou um dia de ações da graças e oração, compartilhado pelos nativos. Em 1863, Presidente Lincoln proclamou Thanksgiving dia de feriado nacional.
Na cultura judaica, duas festas da colheita - Shavuot (Pentecostes) e Sucot (Tabernáculos) - vêm sendo celebradas há três mil anos.
A festa da colheita por excelência é Sucot ou Hag há-Assif (Festa da Colheita), que envolve a construção de cabanas, onde por uma semana as famílias fazem suas refeições.
Muitos americanos, ao ver uma sucá decorada pela primeira vez, ficaram impressionados como ela (e a festa, em geral) lembra Thanksgiving, Ação de Graças. Não é mera coincidência: os peregrinos que originaram o Thanksgiving tomaram emprestada a idéia de Sucot!
Os peregrinos eram profundamente religiosos e enraizados na tradição hebraica . Quando vieram para a América compararam sua jornada com o êxodo dos judeus do Egito rumo à “Terra Prometida”. A maioria deles tinha nomes hebraicos e consideravam-se os herdeiros espirituais do Antigo Testamento . Houve até uma proposta para que hebraico fosse a língua oficial das Colônias e John Cotton quis adotar o Código Mosaico como a base para as leis de Massachusetts. A maior parte da primeira legislação das colônias da Nova Inglaterra foi determinada pelas Escrituras, pelo texto bíblico.
Ao tentarem encontrar um meio de exprimir a sua gratidão pela sobrevivência e pela colheita, procuraram na Bíblia um modo apropriado de celebrar e encontraram Sucot . Isto pode não ser a história ensinada em escolas americanas hoje , mas é a explicação mais adequada: a Ação de Graças original foi um festival de colheita como Sucot, foi observado em outubro (como Sucot geralmente é) e os peregrinos não teriam celebrado um feriado que não estivesse na Bíblia.
A outra festa judaica relacionada à colheita é Shavuot também chamada de Hag há-katzir (Festa da Sega) por ser época de colheita de grãos, trigo e cevada (Ex 23.16) e de Hag há-bikurim (Festa das Primícias) por envolver a entrega de uma oferta, a Deus, dos primeiros frutos da terra colhidos naquela sega (Nm 28.26).
A oferta de bikurim, em Shavuot, era uma porção dos primeiros grãos colhidos; em Sucot, o povo oferecia os primeiros frutos da colheita de frutas , como uva, tâmara e figo.
No judaísmo a mitzvá (preceito religioso) de bikurim (Dt 26:1-12) é especificamente dedicada a expressar gratidão. Na época do Templo, cada agricultor tinha que trazer ao Templo em Jerusalém seus primeiros frutos. Lá ele recitaria uma passagem agradecendo a Deus pela Terra e sua colheita abundante, e os frutos eram dados ao Cohanim (sacerdotes).
O Midrash enaltece esta mitzvá chegando a dizer que a Terra de Israel foi dada aos judeus como uma recompensa pela mitzvá de bikurim que eles observariam depois de entrar a Terra!
Enquanto a importância de expressar gratidão é compreensível per se, a de bikurim é difícil. O dia judaico já não está apinhado de agradecimentos? As primeiras palavras que proferimos ao despertar de manhã expressam nosso agradecimento a Deus por retornar nossas almas aos nossos corpos. Três vezes por dia, durante a reza, agradecemos por tudo imaginável. Antes e depois de comer agradecemos a Deus pela comida. Há até mesmo uma benção recitada ao sair do banheiro, agradecendo a Deus pela função física normal!
Com tanto agradecimento diário, para que uma mitzvá específica? E por que a recompensa tão grande? Uma diferença entre bikurim e todas as outras maneiras de expressar gratidão a Deus, é que bikurim envolve mais que palavras - exige compromisso e deve se expressar em atos. Bikurim implica que nossa gratidão a Deus não pode permanecer no reino de emoções, pensamentos, nem mesmo fala, mas deve mover-nos à ação.
Apesar da mitzvá de bikurim não ser hoje exequível , sua lição é eterna. A gratidão deve se expressar nas ações de nossa vida diária e, entregar o "primeiro fruto", a parte mais seleta da colheita, é a maneira apropriada agradecer a Deus por nos dar todos os nossos frutos.
*Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica, Professora Adjunta, fundou e coordenou o Setor de Hebraico da UERJ e da UFRJ, o Programa de Estudos Judaicos da UERJ, escritora.
Publicado em Revistashalom Brasil Shalom Ed.697 v. 13 pag. 16 , novembro de 2011, ISSN 1806-0056
Caso queira publicar, o todo ou parte, ou se tiver dúvidas, quiser maiores esclarecimentos, identificar fontes ou legendas de imagens, por favor, escreva-me! janeglasman@gmail.com ou janebg@hotmail.com
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