segunda-feira, 23 de setembro de 2019

I Just Called to Say Shana Tova (Shofar 23 de Elul) + FELIZ ANIVERSÁRIO, MUNDO! (texto)





FELIZ ANIVERSÁRIO, MUNDO!
©JANE BICHMACHER DE GLASMAN*

Afinal, quantas vezes os judeus celebram o Ano Novo?

Segundo o calendário judaico são comemorados... 4 Anos Novos! Em Nissan, Elul, Tishrei e Shvat...
Nissan é, na Bíblia, o primeiro mês do ano, para a contagem dos anos dos reis de Israel. Além disso, sendo o mês de Pessah, que comemora a passagem para a liberdade, envolve, a meu ver, o belo simbolismo de o tempo ter sentido, merecendo ser contado, a partir do momento que somos livres!...
Tu biShvat, Ano Novo das Árvores, no calendário judaico, o dia não apenas é fixo, como define o nome da festa: as letras hebraicas tet e vav, que formam o Tu, têm valor numérico 9 e 6; como 9+6= 15, significa que se comemora no 15º dia do mês Shvat. É o ano novo das árvores em referência ao cálculo do dízimo dos frutos, que devia ser entregue aos Levitas na época do Templo, numa jornada festiva. Tu Bishvat era visto como um precursor da primavera. Com a Golá, Diáspora judaica, passou a ser celebrado enfatizando nossa conexão com Israel.
Elul era o Ano Novo do Gado: no primeiro dia do mês, retirava-se o dízimo (um décimo dos animais nascidos nos últimos 12 meses) e doava-se ao Beit HaMikdash, o Templo em Jerusalém.
Tishrei é definido como sétimo mês no texto bíblico: "O primeiro dia do sétimo mês, será descanso solene para vocês, uma comemoração proclamada com o toque do shofar, uma convocação santa". Ele também marca o início da contagem da Shemitá (Ano Sabático); do Iovel (Jubileu, quando eram libertos os escravos e as propriedades voltavam às mãos dos donos originais); da Orlá (3 anos a partir do plantio de uma árvore frutífera, durante os quais não se pode comer seus frutos) bem como do ano para cálculo do dízimo da colheita de vegetais e grãos.
Aniversário do Homem
Na Antiguidade, Rosh haShaná era época de Ano Novo não só judaico, mas para todo o hemisfério norte (mundo conhecido na época), quando se encerrava o ciclo anual agrícola e era feito o balanço do ano, como fazem as empresas hoje, publicando-os em jornais (explicando, em parte, a simbologia do signo zodiacal- Balança associado ao período). Com o acréscimo de preceitos e símbolos judaicos (especialmente o julgamento divino e o balanço espiritual do ano) e, por termos continuado a comemorar a data, independente de localização espacial, Rosh haShaná ficou conhecido como “O” Ano Novo judaico. O Talmud e o Zohar deixam claro que o dia de julgamento inclui todos os povos do mundo; em 1º de Tishrei o futuro de cada indivíduo da humanidade será determinado, enfatizando seu caráter universal. Veio a ser considerado no período talmúdico o começo do ano civil judaico, por ser o mês da Criação, uma espécie de “Aniversário do Mundo e do Homem”, sem entrar em polêmicas de Religião versus Ciência, a partir do momento que, sob nenhum dos dois âmbitos o tempo é uma unidade quantificada fixa e imutável, combinando a relatividade científica com o Salmo: “Mil anos aos Teus olhos são como o dia de ontem”... Além dos variados conceitos antropológicos, entre outros, da caracterização do homem produtor de cultura e agente de civilização.
Celebrando: Rosh & Shaná**
O ano novo judaico celebra o aniversário da criação do mundo. É época de reavaliação da qualidade de nosso relacionamento com Deus. Quando Moisés intercedeu em favor dos hebreus (por terem cometido idolatria) o povo ouviu ressoar o shofar, que anunciava a presença de Deus. É um espaço temporal que serve para refletir e se comprometer com um plano de ação. A essência do ano novo judaico não é uma ocasião para o excesso e o júbilo incontrolado. Entra-se num período de reflexão, de auto-exame e também de recordação. O símbolo principal deste evento é o toque do shofar durante o mussaf. O shofar é como um alarme, que chama à reflexão o piedoso e, à consciência adormecida, o homem desinteressado. O objetivo é a Teshuvá; freqüentemente traduzida como arrependimento, na realidade significa retorno. O judaísmo enfatiza que nossa natureza essencial, a centelha divina da alma, é boa. O real arrependimento é atingido não por meio da autocondenação, mas pela percepção de que o mais profundo desejo é fazer o bem, retornar ao bem.
Como forma original de desejar Shaná Tová, repensar o significado da expressão.
Rosh em hebraico, quer dizer cabeça. Mas significa também chefe; início, princípio; cimo, cume, vértice; parte, ramificação; base, fundamento, essência; veneno (planta venenosa); como adjetivo: superior, principal. Shaná significa ano; como verbo: repetir, reiterar; estudar, aprender; ensinar, instruir; transformar-se, modificar-se; diferir. Outra observação lingüística interessante é que a palavra shaná é feminina... Quanto se pode extrair, em termos de reflexão sobre Rosh ha-Shaná, só a partir do significado das palavras! Quando falamos cabeça, tendemos a associar com razão, racional. Ao falar em feminino, associamos, até por condicionamento cultural, com o emocional. Tendemos a formar um binômio razão X emoção, bem como masculino X feminino... Além disso, rosh pode ser base, início, parte ou cume: uma estrutura completa!
Quando pensamos em educação, a partir do hebraico shaná, recebemos um "toque" que pode nos ajudar a transformar as nossas vidas, fazendo um jogo com a multiplicidade de sentido destas palavras, que embutem mensagens valiosas: repetir ou transformar, estudar e aprender, ensinar instruir ou educar? Dizer que Rosh ha-Shaná é um período de reflexão, é um lugar comum. Tornemos este lugar, este espaço temporal, um pouco mais incomum!
Usando os sinônimos mencionados, usemos há-rosh, a cabeça, a razão, para sermos o chefe... de nós mesmos, de nossos destinos! Não poderíamos assim entender o livre-arbítrio que nos foi dado por Deus? Não poderia ser esta a essência da mensagem metalinguística as palavras nos dizendo mais do que lhes é autorizado saber?
E nossa emoção? Não vem sempre carregada de um passado cumulativo que, se por um lado, engloba todas as nossas boas experiências, nossos afetos, nossas alegrias, por outro, também não nos faz carregar ao longo de nossas vidas, um amargo "lixo atômico" existencial de tristezas, frustrações, perdas, que tantas vezes contaminam nossa capacidade de (re) iniciar, de nos modificarmos, de nos transformarmos? Assim como em Pessach fazemos uma faxina em nossas casas, para eliminar o hametz, devendo chegar ao hametz que fermenta vaidade e pensamentos negativos em nossos corações, aproveitemos Rosh ha-Shaná para fazermos uma faxina em nossas vidas aprendendo com nossos erros, buscando a transformação, agindo racionalmente, mas nos permitindo sentir, ensinando ao outro a paz, através do perdão, transformando veneno em essência! Perdoemos, principalmente, a nós mesmos, pelas chances desperdiçadas, por ter perdido nossa autochefia na vida, recobrando-a, aprendendo com os outros e nós mesmos, para que fale mais alto o significado de diferir... Enfim, para que Rosh ha-Shaná seja um real início, um princípio diferente!
Publicado em Visão Judaica, setembro de 2005
* Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica, Professor, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos UERJ, Professora e Coordenadora do Setor de Hebraico UFRJ (aposentada), escritora.
** Publicado na Revista “O Hebreu”, nº 275


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